segunda-feira, 10 de agosto de 2009

os verdadeiros amigos de infancia

Dizem que amigos de infância são aqueles com quem nos relacionamos na primeira etapa da vida. Acontece que nessa época os laços sociais estão no limite de não morder, arrancar tufos de cabelo ou esmurrar os amiguinhos que pegam os brinquedos da gente.
Já na adolescência uma intrincada teia de laços vai se apresentando. A gente vai se virando como pode para tentar decifrá-la e acompanhar o movimento das marés da convivência. Nessa idade se descobre que pessoas mentem descaradamente sobre o que são e como são, sobre guardar um segredo muito íntimo, como o nome do garoto que você acha bonitinho, até sobre a própria amizade. Descobre ainda que as pessoas podem ser perversas, inventar e aumentar fatos só para isolar umas das outras por pura insegurança. Também trocam juras que não pretendem cumprir e nunca devolvem os livros e discos que pedem emprestados.
Para não ficar na ilha dos isolados, a gente vai aprendendo as regras do jogo, e quando você menos espera já se pega jurando que não vai contar para ninguém da festa que o outro não foi convidado, mas na primeira oportunidade vai logo dizendo que foi, e ainda viu aquela menina lá com outro garoto.
As relações se multiplicam rapidamente, os grupos se entrelaçam, os amigos se misturam e quando a gente dá conta está feliz da vida, cercado por um mar de conhecidos dos amigos, amigo do amigo, namorada do vizinho, prima do colega, enfim uma miscelânea de pessoas a quem você chama de amigo. Gente com quem se faz confidências, compartilha descobertas e chama para sair no final de semana. São tantos amigos, que é difícil organizar um encontro para menos de cem pessoas íntimas.
Ai você passa de fase no jogo: escolhe um caminho na vida, uma carreira, um parceiro e o tempo vai ficando apertado, porque o relógio acelera o passo. Num dado momento, entre soluços e lágrimas, você descobre que esses grandes amigos não têm nada mais a ver com a sua vida. Mudaram os interesses, os endereços e os caminhos se bifurcaram. Parece que eles não te ouvem com a atenção de antes e nem tem tempo para os seus dilemas. Todo mundo um dia se descobre só.
Aí você lembra dos primeiros amigos de infância. Eles estão cristalizados nas fotos do maternal e dos primeiros aniversários, já nem tem os nomes para todos na memória e percebe que se tornaram amizades velhas.
Os grandes parceiros da adolescência, aqueles que você apostava que passaria a vida junto, já se foram. Uns por vontade própria, outros porque você desistiu de procurar ou até por contingências da vida que os levou para lugares distantes.
Aos poucos a gente vai deixando o passado e dando importância maior aos que restaram próximos, relevando deles os defeitos e buscando mais afinidades, ainda que seja só aquele que puxava seu cabelo na escola ou a "melhor amiga" que um dia ficou com seu namorado numa festa.
Começa então a despontar a impressão que o talento para cultivar a imensa colônia de amigos foi perdido, que a intolerância e a preguiça cresceram e foi você quem perdeu a habilidade de estar sempre cercado de amizades.
Mas aí entra a quarta fase do jogo, e parece ser a melhor!
Nessa fase você compreende que as relações são efemeras mesmo. Ninguém tem culpa das separações. As relações nascem apenas do compromisso de estar juntos naquele momento, e isso não é pecado. Se permanecem foi porque algo além do desejo de viver no coletivo surgiu com o tempo, ainda que de forma inesperada.
Outras pessoas cruzam o caminho, gente nova vai aparecendo, outros interesses vão surgindo e você se pega a prestar atenção nelas, já sem a ansiedade de agradar ou a cobrança de ser agradado: desinteressadamente. E aí é que surgem os verdadeiros amigos de infância:
São aqueles com quem você senta numa estação ferroviária e ri por mais de quatro horas do trem que perdeu, ou das malas que desapareceram, de estátua quebrada ou de qualquer outra bobagem. Os que te ligam só para dar bom dia, ou que se lembram que você fez aniversário no semestre que passou, mas ainda assim te chamam para comemorar sem compromisso de data. Os que querem te ouvir, mas tem muito para falar, que se reúnem para rir de nada e de tudo, mas que choram com você nas horas de dor, mesmo que fisicamente distantes.
Esses são para mim os verdadeiros amigos de infância; Aqueles que te fazem esquecer das convenções e quando se encontram conseguem parar o tempo. Brigam por nada para rir por tudo. Na despedida, com um beijo e um abraço apertado, selam o compromisso de estar unidos sempre, ainda que a distância física e o relógio conspirem contra. Num próximo encontro, mesmo que muito tempo depois, resta a sensação de que sentamos juntos ontem. Gente com quem o tempo juntos é tão intensamente desfrutado que mais parece hora do recreio. Na saída, já antevendo a alegria do próximo encontro, a alma vai renovada com uma ansiedade infantil.

Um comentário:

Alexandre disse...

A teia de relacionamentos é muito estranha. O ser humano é por natureza imperfeito. Perdoamos as maiores traições dos conviventes diretos, mas não conseguimos conviver com as pequenas falhas dos amigos.