segunda-feira, 9 de agosto de 2010

identificando um posgordo

Neoliberal, posmoderno, neoclássico; poucos conhecem e destacam o posgordo.
Nunca confunda com neomagro! Definitivamente personalidades antagonicas.
Enquanto o posgordo guarda dobradas no armário as roupas largas, só compra novas que não sejam demasiado justas ou exibidas e assume sonhar com doces, o neomagro só exagera se for na alface, adquire intolerância súbita às gorduras e ousa como ninguém no guarda roupa.
Conceitualmente um neomagro está muito mais próximo do neogordo do que de um autêntico posgordo: ambos são gordos sem origens (um por esquecimento e outro por falta de berço), por isso cultivam figurinos inadequados, alardeiam gostar de acelga, desconfiam de toda balança e insistem ser possível dividir assento numa só poltrona.
Atitudes como essas um posgordo jamais tomaria!
Mesmo tendo deixado as arrobas de lado, um posgordo sempre desconfia da resistência das cadeiras e das possibilidades estéticas exuberantes.
Tampoco sucumbem aos vexames estilísticos dos neogordos, apegados em ostentar pelancas, celulite e afins como se fossem ícones de beleza.
Posgordo é estado de espírito; neomagro é mera atitude.
Diferenças à parte, nada impede que ambos retornem à avantajada forma anterior, porém com posturas igualmente inversas.
Retomando o status anterior os neomagros empacam no estágio da negação.
Passam assim imediatamente para o grupo dos neogordos, indivíduos sem nenhuma noção da sua dimensão na sociedade, que tratam os iguais sempre na terceira pessoa, acreditando assim excluir a classificação genérica que lhes cabe: gordos.
Já os posgordos não têm qualquer dificuldade na readaptação: em verdade nunca abandonaram o sentimento original de exclusão e velada animosidade crítica em relação à classe oposta.
Faz toda diferença.

sábado, 31 de julho de 2010

agora

Tempo de refletir.
Quando as coisas não vão bem; quando ciclos terminam; quando não se vê o horizonte;
de alegria.
Quando se conclui uma etapa; pulsa a excitação pelo porvir ou simplesmente nada para lamentar;
de espera.
Quando existe uma tenue esperança; a mão ainda não alcança mas sabe que quer agarrar;
de desistir.
Quando não se vê saída; um caminho escolhido por erro ou o nada planejado dissipa sem conclusão;
de resistir.
Quando a escolha foi feita mas a adversidade insiste; se ainda há expectativa suficiente para crer na recompensa final.
de mudar.
Quando a tristeza vira companheira; a descrença chega e se instala; nada mais faz sentido no lugar em que está.
Hora de mudança: reunir cacos da coragem; desapegar do fácil e escolher um caminho novo para acreditar.
Agora! Tempo para começar!

segunda-feira, 3 de maio de 2010

tempo roubado


Novas tecnologias atropelam. Surgem tão rapidamente que nem bem a gente acostuma com uma outra já está no lugar. Eu sinto assim.
Minha mãe não mais se importa em ir além do liga/desliga; tudo estará mesmo superado em breve. Sábia.
Me apego aos gadgets eletrônicos e vai aumentando minha dependência deles.
Celular, laptop, agenda, mp3, se possível tudo junto e conectado.
Para que?
Cada um deve ter seu álibi.
O meu é poupar tempo.
Utilizando essa despudorada desculpa sem parcimônia constatei que já não vou ao banco, farmácia e nem mercado. Não saio de loja em loja na busca de presentes de casamento ou pechinchas em eletrodomésticos. Nunca mais fui à rua para comprar passagens e pegar resultados de exames.
Das antigas visitas à loja para levar filmes e da espera em estado de suspensão pela surpresa nas revelações das fotos de viagem nada sobrou.
Não entrego em mãos nada que possa ser digitalizado e enviado. Tomo informações das mais diversas atividades sem deslocamento.
Confesso, já fui ousada: até esperava e entrava num café antes de uma trivial sessão de cinema. Nesses momentos largados algum encontro surgia com uma conversa despreocupada ou um acaso necessário.
Poderia enumerar à exaustão a quantidade de deslocamentos e saídas a que me desobriguei, das conversas pouco objetivas poupadas pelos torpedos e email, dos contatos mantidos em asséptico distanciamento, mas não consigo contabilizar dessa equação qual o meu ganho.
Sim, porque desocupar as horas não significa que eu as tenha aplicado em nada mais importante. Saio menos, mas ainda assim não leio mais. Escrevo cada vez menos, não produzo meus ambiciosos projetos.
Adiando descaradamente pequenos compromissos, e os grandes também, vou roubando o prazer dos encontros fortuitos pela rua, do destino surgindo nas conversas derivadas e das chances que só o acaso produz.
Qual a caricata figura do avarento, sinto que estou acumulando tempo sem qualquer finalidade. Somado para vê-lo passar.
Estarei ganhando preciosas horas ou as perdendo da vidavivida ?

da traição e outras merdas


Fui acordada no meio da noite pelo telefone com sua campainha estridente.
Havia dormido miseravelmente há duas horas quando alguém decidiu que ligar para meu número invés de dormir seria boa diversão.
Tem gente que se distrai assim, proclamando seu ódio e a determinação em distribuir rancor. Infelizmente sou obrigada a partilhar dessa idiotice.
Paciência.
Para não enlouquecer fritando os lençóis levantei e pus-me a pensar sobre traição, sensação que ultimamente desperta tanto quanto o aparelho da campainha exaltada aliviando a solidão de quem liga.
Levantado o véu de mártir apunhalada, comecei indagar: existe uma pior traição de quem se ama?
Há que reconhecer que o amor, seja fraternal, de filhos ou amantes, é necessariamente sentimento de mão única.
A correspondência é desejável, mas jamais pode ser constatada, mesmo na mais singela modalidade: o de mãe e filhos.
Cada uma das variedades desse sentimento possui uma possibilidade maior ou menor de absorver as dores, como ingratidão, desatenção e até da traição.
Pela janela reparei que a noite já dissipou em dia, trazendo conforto para a solidão de quem buscava paz na insone companhia do meu telefone.
Calou o toque.
Uma noite branca e vários dias arrastando a dor de mártir não deram a resposta dessa questão, que vem me trazendo sofrimento:
Por que trair a quem se ama, ou quem ama verdadeiramente trairia?
As mentiras revelam falta do amor recíproco, ou encontram alguma explicação que as torne palatáveis?
Talvez a busca da resposta esteja em mim, não no outro.
A mesma dor que embala a solidão escura de irmã desvairada ligando noite à dentro deve ser a que me cobra explicar o inexplicável.
Traição só existe para o mártir traído. No outro já passou impune o momento.
Esquecido desligou culpas e campainhas, simplesmente fez aquilo que desejava.
Se dor restou foi a quem se contentou com as migalhas das promessas do ser amado.
Viver no reflexo dos outros não é vida. Pura ilusão.
Isso difere nós, gente-planeta, das estrelas.
Na sobra responde se existe traição.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

da inveja e outras merdas


Nos tempos de escola aprendi que sou um ser perfeito.
Colégio católico, graças a Deus.
Nada contra escolas laicas, mas sublimando a parte da culpa, que nunca me caiu bem, a da perfeição dá uma levantada no ego da criançada.
Com esse pendor natural para a perfeição e uma modéstia sem par cresci numa bolha de estabilidade emocional, como a economia americana.
Qual eles não me importo cá muito com a opinião e histórias alheias.
Cada um sabe de si, certo?
Adoro falar na primeira pessoa, a sua pessoa não é da minha conta. Sou desinteressadamente discreta.
Estou certa que meus interlocutores estão mais interessados em me ouvir do que falar,
afinal saber alguma novidade de mim é uma experiência que poderão incorporar.
Claro que minhas decisões, opiniões e escolhas são as melhores, então por que não as repartir?
Egoísta eu nunca fui.
Também creio que excessos e discussões são censuráveis, daí prefiro sempre manter a calma e não argumentar, declarando solenemente meu ponto de vista inquestionável.
Nunca desperdicei o tempo de outros indagando suas convicções: respeito à opinião alheia como tal, mas é a minha que importa.
Senso de humor tenho de sobra, e aos que não o entendem só tenho a dizer que sinto muito.
Estou convicta que a melhor companhia para se desfrutar é a própria, assim me basto.
Aceito críticas, especialmente dirigidas aos outros. Nunca importa as que me façam.
Compreendo as dificuldades alheias facilmente, até porque não tenho.
Repudio valores impostos, como padrões de beleza e limitações da minha sinceridade; Sou absolutamente autentica.
Por princípio não me meto na vida dos outros, e não reparto da minha nada.
Como pesa a carga da perfeição.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

meu amigo sérgio

Já disse que tenho os melhores amigos do mundo?
Pois é.
Não tenho culpa se tenho os melhores amigos, melhores filhos, melhores enteados, melhor marido, melhor mãe, melhor cachorro...
O Sérgio é desses; cara cultíssimo, inteligente, dono de um senso de humor inigualável, atencioso, carismático, bonito e ainda tem incríveis olhos azuis.
Uma pessoa na companhia de quem não deveria existir tempo: sempre há uma nova história, uma piada ou uma sagaz observação do cotidiano, que contadas por ele se tornam imperdíveis.
Sábado jantamos com cinco outros companheiros, todos incríveis como ele, quando me fez uma confidência. Preciso repartir:
Contou-me que havia tentado suicídio pela primeira vez (e última) aos oito anos, levado por um dos enormes questionamentos e contrariedades comuns aos seres da idade: falta de biscoitos, questões relativas a carrinhos de plástico, etc.
Na falta (ou excesso) de imaginação, querendo de todo atrair a atenção da mãe -lusa, como meu caro patrício- depois de breve reflexão resolveu tomar várias bolinhas de naftalina ou talvez umas duas, providencialmente dissolvidas em "ki-suco".
Lógico não se trata de história atual.
Quando nós éramos criancinhas a vida era mais divertida; As mães nos davam "ki-suco", a gente acreditava que fumar era bom para alguma coisa, que o único risco do sexo irresponsável era gravidez e politicamente correto era sinônimo de gente chata.
Enfim, hoje a simples leitura do rótulo daquilo que era um suquinho gostoso e cheio de corantes bastaria para levar qualquer mãe ao desespero.
Voltando no tempo e na história, o então miúdo se arrependeu e passou a andar em volta da d. Amélia, até não se conter e com o leve sotaque da colônia disse:
mámãe, estou cá meio enjoadinho.
-Filho! Q'merda já comeste?
-Eu estava cá aborrecido contigo. Tomei umas bolinhas daquelas para baratas num copo de "k'suco".
Rindo ao se lembrar da fúria materna, que descreveu em detalhes pontuados por imensa ternura, relatou que em seguida, já com dois dedos metidos na garganta, ela o arrastou para o banheiro enquanto vociferava:
-Da próxima vez que tentares te matar, ó Serginho, que não te lembres de tomar do meu "k'suco"! Nunca mais tomes sem pedir!
Sábia senhora. Manteve assim entre os vivos uma das mais dramáticas criaturas que Deus criou e que diz hoje sem pudor:
-Não fosse a psicologia dos tamancos da minha mãe e eu teria tentado muitas vezes! Naquele dia, com a garganta dolorida e nauseado, entendi que seria aquela minha derradeira tentativa. Ao menos com Ki-suco...
Grande D. Amélia, mãe de Sérgio e Lina!
A humanidade lhe deve por ter cumprido em dobro sua cota de gente boa para o mundo.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

adoro chicórea.

Por que as pessoas mentem descaradamente sobre suas preferências?
Será que querem parecer superiores aos pobres mortais que confessam gosto pelo morno, tranquilo e inquestionável?
Será que são mesmo capazes de sofrimentos terríveis, travestidos de prazer, para se aventurar no terreno que outros desprezam?

Por favor, me poupem!

Assumam com dignidade que todos somos irmãos, temos os mesmos gostos e fraquezas!
Ninguém gosta de sacrifício, dor e sabores azedos.
Admitam que comem acelga e suam correndo por superação.
Hipocrisia não é fantasia suficiente para esconder a vaidade.
O problema é que também não esconde minha inveja.
Pobre de mim, fracota sem gosto pela chicórea.